Paraty.
Era madrugada de terça-feira, 3:30 da madrugada e ele caminhava devagar pelas pedras irregulares de uma rua no centro velho, lá pros lados da ponta do cais onde a cidade era mais decadente e não tinha tantas lojas, pousadas ou restaurantes.
Arrastava uma lata amarrada em um barbante e caminhava devagar, tentando ignorar todos os sinais que remetessem ao século XXI. Não estava fazendo uma boçal viagem ao passado. Ouvir os ecos da lata batendo nas pedras e ver-se num ambiente de país colonial não era a tradução do conceito "sentir-se em outra época". O que ele procurava era simplesmente se sentir estranho. Estranho ao lugar, estranho a época, estranho a sí mesmo.
Não era possível ser estranho a sí mesmo em São Paulo. É impossível estar sozinho em São Paulo. São Paulo é um lugar de iguais, todos são iguais em suas imperfeições e em sua idiotice. Lá em Paraty ele tentava sentir-se estranho. Se odiava, com todo o ardor. A idéia de ter que conviver consigo próprio pelo resto da vida o entediava. Nesses poucos momentos ele se sentia um estranho e até conseguia sentir algum apreço por sí próprio. Aquele sentimento bobo de conhecer alguém e encontrar algum conforto na novidade de uma outra personalidade.
Chegando até a ponta do cais ele teve que fazer a volta. As lanchas modernas e a maior iluminação estragavam o clima. Ele podia até ignorar as lâmpadas elétricas do caminho mas na ponta do cais a lata não fazia mais eco e o ambiente não tinha mais aquela atmosfera opressiva das vielas mais escuras. Ele queria isso, opressão. Fez a volta pra refazer o mesmo caminho e acabou vendo ela.
Ele caminhou em sua direção, não, melhor, ele seguiu seu próprio caminho mas seu caminho o levava em direção a ela. Por um momento ele pensou tê-la visto em trajes de época, mas ela vestia um jeans, tênis e camiseta escrita "Lembrança de Paraty". Puxava pela mão esquerda um barbante amarrado em uma lata, da mesma forma que ele.
Cruzaram-se e não se olharam. Não se falaram. No passo seguinte as latas se tocaram, trocando o som de metal em pedra por metal em metal. O encanto foi embora. Ele largou seu barbante, sua lata e caminhou pra pousada, sem olhar pra trás. Não conseguiria mais se sentir estranho nessa noite. Nem estranho, nem sozinho, nem oprimido. Era forçado a ser igual, um tédio, um tédio.
Se tivesse olhado pra trás viria ela sumir. Bem, sumir não é o termo, porque ela nunca existiu. Existiam agora apenas duas latas amarradas em barbante, uma largada minutos atrás, outra deixada na noite anterior.
Quem era ela? A prova de que ninguém consegue fugir de sí próprio.
Era madrugada de terça-feira, 3:30 da madrugada e ele caminhava devagar pelas pedras irregulares de uma rua no centro velho, lá pros lados da ponta do cais onde a cidade era mais decadente e não tinha tantas lojas, pousadas ou restaurantes.
Arrastava uma lata amarrada em um barbante e caminhava devagar, tentando ignorar todos os sinais que remetessem ao século XXI. Não estava fazendo uma boçal viagem ao passado. Ouvir os ecos da lata batendo nas pedras e ver-se num ambiente de país colonial não era a tradução do conceito "sentir-se em outra época". O que ele procurava era simplesmente se sentir estranho. Estranho ao lugar, estranho a época, estranho a sí mesmo.
Não era possível ser estranho a sí mesmo em São Paulo. É impossível estar sozinho em São Paulo. São Paulo é um lugar de iguais, todos são iguais em suas imperfeições e em sua idiotice. Lá em Paraty ele tentava sentir-se estranho. Se odiava, com todo o ardor. A idéia de ter que conviver consigo próprio pelo resto da vida o entediava. Nesses poucos momentos ele se sentia um estranho e até conseguia sentir algum apreço por sí próprio. Aquele sentimento bobo de conhecer alguém e encontrar algum conforto na novidade de uma outra personalidade.
Chegando até a ponta do cais ele teve que fazer a volta. As lanchas modernas e a maior iluminação estragavam o clima. Ele podia até ignorar as lâmpadas elétricas do caminho mas na ponta do cais a lata não fazia mais eco e o ambiente não tinha mais aquela atmosfera opressiva das vielas mais escuras. Ele queria isso, opressão. Fez a volta pra refazer o mesmo caminho e acabou vendo ela.
Ele caminhou em sua direção, não, melhor, ele seguiu seu próprio caminho mas seu caminho o levava em direção a ela. Por um momento ele pensou tê-la visto em trajes de época, mas ela vestia um jeans, tênis e camiseta escrita "Lembrança de Paraty". Puxava pela mão esquerda um barbante amarrado em uma lata, da mesma forma que ele.
Cruzaram-se e não se olharam. Não se falaram. No passo seguinte as latas se tocaram, trocando o som de metal em pedra por metal em metal. O encanto foi embora. Ele largou seu barbante, sua lata e caminhou pra pousada, sem olhar pra trás. Não conseguiria mais se sentir estranho nessa noite. Nem estranho, nem sozinho, nem oprimido. Era forçado a ser igual, um tédio, um tédio.
Se tivesse olhado pra trás viria ela sumir. Bem, sumir não é o termo, porque ela nunca existiu. Existiam agora apenas duas latas amarradas em barbante, uma largada minutos atrás, outra deixada na noite anterior.
Quem era ela? A prova de que ninguém consegue fugir de sí próprio.
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